Solidão e isolamento social: o impacto invisível na sua saúde e bem-estar
- psicottrauma
- 14 de jan.
- 7 min de leitura
Atualizado: 26 de jan.
Você sabia que o sentimento de solidão e o isolamento social podem impactar profundamente sua saúde física e até influenciar a duração da sua vida?
Essas questões, muitas vezes mencionadas juntas, têm significados diferentes, mas ambas afetam diretamente nossa saúde.
Solidão e isolamento social: o que são?
A solidão é uma experiência subjetiva — aquele vazio que sentimos quando parece que ninguém realmente nos entende ou está ao nosso lado. É a falta de conexão emocional, a sensação de estar sozinho, mesmo cercado por outras pessoas. Geralmente, não é um processo de escolha consciente. Por outro lado, o isolamento social é mais objetivo: refere-se a estar fisicamente afastado, com poucas interações ou laços sociais. Curiosamente, é possível sentir-se solitário em meio a uma multidão ou escolher estar só, mas com satisfação e sensação de pertencimento, o que chamamos de solitude.
Aqui, já cabe uma reflexão: você tem percebido momentos de solidão em sua vida? Identificar essas sensações pode ser um ponto de partida para cuidar melhor de si mesmo.
Por que tantas pessoas sentem solidão?
A solidão pode surgir em qualquer fase da vida e por diferentes motivos, muitos deles relacionados aos desafios de características pessoais, contextos sociais, laborais e culturais que enfrentamos. Aqui estão algumas dificuldades que podem contribuir para a aparição desse sentimento:
Cansaço por muitas horas de trabalho
O excesso de trabalho é um dos principais fatores de esgotamento emocional e solidão. A síndrome de Burnout, associada a longas jornadas, reduz a energia emocional disponível para interações sociais e dificulta o desenvolvimento de conexões profundas. Estudos apontam que o desgaste no ambiente de trabalho prejudica não só a saúde mental, mas também a capacidade de estabelecer e manter vínculos sociais significativos (Maslach & Leiter, 2016).
Cidades não planejadas: falta de parques, praças e lazer
A urbanização desordenada e a ausência de espaços públicos acessíveis estão associadas ao aumento do isolamento social. Pesquisas indicam que áreas verdes e espaços de lazer promovem interação comunitária e reduzem sentimentos de solidão (Maas et al., 2009). A falta desses espaços impacta negativamente a qualidade de vida, especialmente em contextos urbanos densamente povoados e carentes de planejamento humanizado.
Mudanças culturais ou de valores
A globalização e a migração frequentemente colocam indivíduos em contextos culturais diferentes, o que pode dificultar a criação de laços profundos. O sentimento de "não pertencimento" é frequentemente relatado por imigrantes e expatriados. Estudos mostram que a desconexão cultural pode levar à solidão e prejudicar o bem-estar psicológico (Berry, 2005). A falta de uma rede social que valorize crenças e experiências individuais contribui para esse isolamento.
Dificuldades em apresentar habilidades sociais
Habilidades como comunicação (saber ouvir, iniciar e manter uma conversa, dar opiniões, fazer perguntas, mostrar interesse pelo outro, ter assuntos sobre diversos temas) empatia, autocontrole, compartilhar sentimentos e histórias de vida, e resolução de conflitos são fundamentais para estabelecer relações significativas. Indivíduos que não tiveram oportunidades de desenvolvê-las enfrentam maior risco de isolamento. A pesquisa de Segrin (2017) destaca a importância de intervenções para promover habilidades sociais como forma de reduzir a solidão e melhorar a qualidade dos relacionamentos.
Transtornos psicológicos
Diferentes transtornos psicológicos estão associados à solidão, como depressão, ansiedade social, transtorno bipolar, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada, transtornos alimentares, demência, esquizofrenia, estresse pós-traumático, transtornos de personalidade, entre outros. Todos esses padrões comportamentais, que trazem sofrimento, são complexos e envolvem muitos fatores. A solidão pode aparecer ora como uma das causas, ora como uma das consequências, ora como um papel mediador.
Desconexão dos próprios valores
Valores são direções que dão significado à vida, e quando agimos de forma coerente com eles, nossas ações tendem a promover conexões mais profundas e significativas. No entanto, quando nos afastamos de nossos valores – seja por medo, autoproteção ou padrões de comportamento evitativo ou até mesmo porque nem sabemos quais valores são importantes para nós– podemos nos sentir isolados e desconectados, não apenas dos outros, mas de nós mesmos. Explorar e alinhar ações com os valores pessoais é um caminho para superar ou lidar com a solidão, permitindo que as interações humanas sejam vividas de maneira mais intencional e autêntica (Hayes, Hayes, Strosahl, & Wilson, 2012).
Apego evitativo
O estilo de apego evitativo, caracterizado por baixa tolerância à intimidade, está associado à dificuldade de formar vínculos emocionais profundos. Estudos indicam que cuidadores emocionalmente distantes ou rígidos ensinam às crianças que a vulnerabilidade deve ser evitada (Mikulincer & Shaver, 2007). Consequentemente, adultos com apego evitativo tendem a evitar relacionamentos íntimos, aumentando sua vulnerabilidade à solidão.
Trauma na infância
A relação entre trauma e solidão é profundamente entrelaçada. Experiências traumáticas, especialmente aquelas vividas na infância, como negligência ou abuso, podem afetar profundamente a forma como as pessoas se relacionam com os outros e consigo mesmas. Essas vivências muitas vezes levam ao desenvolvimento de crenças de desvalorização ou desconfiança, dificultando a criação de laços sociais. Estudos mostram que indivíduos que enfrentaram traumas precoces têm maior propensão a isolar-se, mesmo quando desejam conexão, devido ao medo de rejeição ou revivência emocional do trauma (Van der Kolk, 2014). O isolamento pode, então, perpetuar sentimentos de solidão, criando um ciclo difícil de romper.
Exigências sociais elevadas
As redes sociais frequentemente apresentam vidas idealizadas, gerando comparações irreais que amplificam sentimentos de inadequação e desconexão. Estudos mostram que o consumo excessivo de redes sociais está associado a um maior risco de solidão e depressão (Huang, 2017). A pressão para atender a padrões inalcançáveis afeta negativamente a autoimagem e a capacidade de formar conexões genuínas.
Pressões individuais e coletivas
Certas fases da vida, como adolescência, maternidade e envelhecimento, apresentam desafios específicos que podem isolar as pessoas. Além disso, desigualdade social, preconceito e discriminação são fatores de exclusão social bem documentados. A pesquisa de Holt-Lunstad et al. (2015) aponta que a solidão e o isolamento social estão associados a um aumento significativo nos riscos de mortalidade, destacando a importância de combater essas pressões coletivas.
Essas dificuldades mostram que a solidão não é apenas uma questão individual, mas também um reflexo de como vivemos em sociedade. Compreender isso pode ajudar a reduzir a culpa ou a vergonha que muitas vezes acompanham esse sentimento.
Por que cuidar da saúde social é tão importante?
Nossa saúde social — a habilidade de construir e manter relacionamentos saudáveis e nos sentirmos parte de algo maior — é fundamental para o nosso bem-estar. Estudos mostram que ela impacta não apenas nossa saúde mental, mas também nosso corpo físico.
Um estudo recente publicado na Nature Human Behaviour analisou proteínas presentes no plasma sanguíneo de indivíduos socialmente isolados ou solitários, identificando alterações em biomarcadores associados à inflamação crônica, disfunções metabólicas e problemas cardiovasculares. Utilizando dados de 2.920 proteínas plasmáticas de mais de 40.000 participantes do UK Biobank (banco de dados do Reino Unido), foram identificadas redes proteicas relacionadas à inflamação, respostas antivirais e ao sistema cardiovascular, sendo que mais da metade dessas proteínas mostrou associação prospectiva com doenças cardiovasculares , diabetes tipo 2, AVC e mortalidade ao longo de 14 anos. Essas mudanças no organismo aumentam a suscetibilidade a doenças e comprometem a longevidade.
Solidão: um alerta!
Nosso cérebro foi moldado para a vida em grupo. Quando nos sentimos desconectados, ele interpreta isso como um sinal de perigo e ativa um mecanismo de defesa. É como se o corpo entrasse em "modo de sobrevivência", liberando hormônios do estresse, como o cortisol. A curto prazo, isso nos ajuda a enfrentar desafios. Mas, quando a solidão persiste, esse estado de alerta constante pode sobrecarregar o organismo.
Pense no seu corpo como um carro: se você mantiver uma luz de alerta acesa por muito tempo, outras partes podem começar a falhar. Essa sobrecarga pode prejudicar o coração, o metabolismo e até a capacidade de lutar contra doenças.

Como proteger sua saúde social e física?
Aqui estão algumas ideias práticas e acolhedoras para fortalecer suas conexões:
Cultive relações significativas. Não se preocupe com a quantidade, mas com a qualidade. Um ou dois amigos em quem você pode confiar já fazem uma grande diferença. Quem são as pessoas que realmente importam para você?
Esteja atento aos sinais de alerta. Se você tem se sentido frequentemente solitário, com dificuldades para dormir, mudanças no apetite ou busca excessiva por distrações (como redes sociais ou séries), pode ser hora de buscar apoio. Lembre-se: não há vergonha em pedir ajuda.
Conecte-se com sua comunidade. Participar de grupos, clubes ou atividades sociais pode ajudar a encontrar pessoas com interesses semelhantes e reforçar seu senso de pertencimento. Que tal experimentar algo novo, como uma aula de dança, voluntariado ou um grupo de leitura?
Priorize sua saúde mental. Terapias como a terapia comportamental contextual, dentre outras, ajudam a trabalhar as emoções relacionadas à solidão e a prevenir os impactos negativos no corpo. Procurar ajuda profissional pode ser um divisor de águas para melhorar sua saúde.
Conclusão
Esses estudos reforçam algo que muitos de nós já percebemos: nossa saúde mental e física estão profundamente conectadas. Pesquisas mostram que priorizar as relações humanas não é apenas um desejo, mas uma necessidade para o bem-estar. No entanto, construir essas conexões nem sempre é fácil. Obstáculos como dificuldades interpessoais, ambientes desafiadores ou uma sociedade que valoriza mais falar do que ouvir podem tornar esse processo mais complicado.
E você, como está sua sensação de pertencimento? Há alguém com quem compartilhar as vitórias e os desafios do dia a dia? Se a resposta for "não", talvez este seja o momento de repensar suas conexões sociais.
Se este texto despertou algo em você, reflita: há alguém com quem gostaria de conversar ou se reconectar? Um pequeno gesto pode fazer toda a diferença. Que tal enviar uma mensagem e convidar para tomar um café? Compartilhe este texto com alguém especial, alguém que contribua para o seu bem-estar e com quem você deseja fortalecer os laços!

Referências
Berry, J. W. (2005). Acculturation: Living successfully in two cultures. International Journal of Intercultural Relations, 29(6), 697-712. https://doi.org/10.1016/j.ijintrel.2005.07.013
Brown, B. (2010). The gifts of imperfection: Let go of who you think you're supposed to be and embrace who you are. Hazelden Publishing.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2012). Acceptance and commitment therapy: The process and practice of mindful change (2nd ed.). Guilford Press.
Holt-Lunstad, J., Smith, T. B., Baker, M., Harris, T., & Stephenson, D. (2015). Loneliness and social isolation as risk factors for mortality: A meta-analytic review. Perspectives on Psychological Science, 10(2), 227-237. https://doi.org/10.1177/1745691614568352
Huang, C. (2017). Time spent on social network sites and psychological well-being: A meta-analysis. Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking, 20(6), 346-354. https://doi.org/10.1089/cyber.2016.0758
Maas, J., van Dillen, S. M., Verheij, R. A., & Groenewegen, P. P. (2009). Social contacts as a possible mechanism behind the relation between green space and health. Health & Place, 15(2), 586-595. https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2008.09.006
Maslach, C., & Leiter, M. P. (2016). Understanding the burnout experience: Recent research and its implications for psychiatry. World Psychiatry, 15(2), 103-111. https://doi.org/10.1002/wps.20311
Mikulincer, M., & Shaver, P. R. (2007). Attachment in adulthood: Structure, dynamics, and change. Guilford Press.
Segrin, C. (2019). Indirect effects of social skills on health through stress and loneliness. Health Communication,
34(1), 118-124. https://doi.org/10.1080/10410236.2017.1384434
Shen, C., Zhang, R., Yu, J. et al. (2025). Plasma proteomic signatures of social isolation and loneliness associated with morbidity and mortality. Nature Human Behaviour.
Van der Kolk, B. A. (2020). O corpo guarda marcas: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Editora Sextante.
Comments